Mercado de Crédito de Carbono – Panorama atual
Além das perdas humanas e materiais causadas pela guerra entre Rússia e Ucrânia, o conflito no Leste Europeu trouxe outros impactos graves, colocando o mundo em meio a um forte risco de retrocesso ambiental.
O processo de descarbonização das atividades industriais e da economia global, como um todo, ficou mais desafiador. Transações internacionais envolvendo o mercado de crédito de carbono, por exemplo, vão sofrer impactos.
Situações de crise, contudo, trazem oportunidades a serem avaliadas com mais atenção. No Brasil, para se ter uma ideia, no chamado mercado voluntário, o valor de um crédito de carbono subiu de US$ 3,50, em 2020, para a faixa de US$ 10 a US$ 12, em 2022.
A Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil) calcula que o país, teoricamente, poderia levantar receitas da ordem de US$ 100 bilhões.
Legenda: Uma forma de incentivo para a redução de dióxido de carbono na atmosfera.Alt text: Mão com moedas e planta
Como surgiu o Mercado de Créditos de Carbono
Para compreender um pouco melhor todo esse panorama, e o que são créditos de carbono, é preciso viajar um pouco no tempo. Em 1988, houve a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, em inglês – destinado a subsidiar os governos em suas políticas ambientais.
O primeiro relatório do IPCC ficou pronto em 1990 e concluiu que o incremento significativo e progressivo das alterações no clima do planeta é provocado pelo acúmulo crescente de GEEs (Gases do Efeito Estufa) na atmosfera, originados, principalmente, pela queima de combustíveis fósseis.
Os GEEs internacionalmente reconhecidos são dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6), hidrofluorcarbono (HFC) e perfluorocarbono (PFC).
Em 1995, em Berlim, aconteceu a primeira edição da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, mais conhecida como Conferência das Partes (COP). Na COP3, em 1997, realizada no Japão, foi apresentado o famoso Protocolo de Kyoto, propondo mecanismos para cumprimento de metas ambientais pelos países participantes, no qual houve a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), embrião do mercado de créditos de carbono.
Hoje, uma unidade de crédito de carbono equivale a 1 tonelada de gás carbônico (ou outros gases) que deixou de ser emitida para a atmosfera. Estabeleceu-se que países poderiam criar parcerias, de maneira em que os desenvolvidos, mais poluentes, pudessem comprar créditos dos menos desenvolvidos, que poluem pouco.
Quais são as expectativas para o Mercado de Créditos de Carbono?
Em 2015, na COP21, com presença de 195 países, houve a aprovação de acordo que entrou em vigor em 2016, estabelecendo, em seu artigo 6, a regulamentação do mercado internacional de carbono.
O conceito de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo foi transformado em Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), como ferramenta de mitigação climática. Além disso, foi definida a meta de limitar o aquecimento do planeta em 1,5 ºC, até 2100, em relação aos níveis pré-industriais.
Foi acordado também que os países poderiam negociar os créditos entre si, com a formalização dos ambientes de comercialização regulado e voluntário, sendo que o primeiro, na prática, já operava desde o surgimento do Protocolo de Kyoto.
O tipo de mercado regulado mais comum é o Sistema de Comércio de Emissões, sob a ótica do “Cap and Trade”. Em 2020, foram negociados 229 bilhões de euros nesse ambiente, cinco vezes mais que o volume negociado em 2017, conforme dados da Refinitiv Financial Solutions. Os preços da tonelada de carbono variam entre US$ 1 e US$ 137[UdW1] , mas, em média, a maioria das transações ocorrem na faixa de US$ 10.
Já o mercado voluntário, por sua vez, desenvolveu-se por iniciativa de empresas e pessoas interessadas em gerar ou comprar créditos para alinhar suas atividades às metas de ESG. São transacionados créditos de carbono de projetos de terceiros que resultem na redução efetiva das emissões ou captura de carbono. É esse mercado que está operando no Brasil hoje.
Em maio deste ano, o Governo Federal publicou o Decreto Federal nº 11.075 com as bases para a criação de um mercado de carbono, no qual ficou estabelecido um prazo de 180 dias para que acordos setoriais sejam apresentados. A data final é 15 de novembro de 2022, com possibilidade de ampliação até 14 de maio de 2023.
Até lá, propostas de redução de emissões de gases de efeito estufa devem ser apresentadas pelos setores. Porém, após aprovação, haverá pouco prazo para a redução das emissões por parte das empresas, exigindo investimentos significativos no processo de transição para a economia de baixo carbono.
Crédito de Carbono: como funciona na prática
No âmbito das expectativas locais, quanto ao potencial de comercialização de créditos de carbono, setores como os de biocombustíveis, energias renováveis, agricultura de baixo carbono, bioeconomia, biotecnologia, tratamento de resíduos e saneamento, além das chamadas soluções baseadas na natureza e de pagamento por serviços ambientais, estão entre os mais promissores, de acordo com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
Cada empresa tem sua “pegada de carbono”. Mais especificamente expressa pela quantidade total de GEEs gerados tanto na cadeia produtiva como nas ações humanas. A partir da pegada de carbono, analisa-se os impactos de cada serviço ou produto na atmosfera.
O cálculo é baseado na metodologia de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) que serve para quantificar as emissões desde a extração, uso e fim de vida de um produto, processo ou serviço. A Calculadora 2030, iniciativa da ONU com a empresa sueca Doconomy, é uma dessas ferramentas que calculam a emissão de carbono no planeta e pode ser usada por empresas e pessoas.
O primeiro passo para uma empresa que planeja avaliar a possibilidade de trabalhar com créditos de carbono, segundo orientação do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV), é fazer seu próprio inventário de emissões de GEEs. Uma espécie de raio-X para se determinar não só as fontes de gases nas atividades produtivas como também a quantidade lançada à atmosfera.
Alt text: lago na forma de um símbolo de CO2 localizado em uma floresta exuberante – mercado crédito de carbono
Há três escopos para registro e relatório de GEEs. O escopo 1 refere-se a emissões diretas de gases, mais especificamente provenientes de fontes que pertencem ou são controladas pela empresa.
Já o escopo 2 tem a ver com emissões indiretas de GEE em processos que envolvem geração de eletricidade adquirida – mercado livre – ou consumida pela empresa diretamente da concessionária. O escopo 3, por sua vez, trata de outras emissões indiretas de GEE, decorrentes, por exemplo, de fontes que não pertencem ou não são controladas pela empresa.
O passo seguinte é selecionar a metodologia de cálculo e fatores de emissão – previstos no Programa Brasileiro GHG Protocol – seguido da coleta de dados de acordo com as especificidades da operação e das fontes de GEEs da empresa. Na sequência, é necessário incluir os dados nas ferramentas de cálculo, também disponíveis no Programa Brasileiro GHG Protocol, divididas por categorias.
Com tudo isso, é possível elaborar o relatório. O tipo de informação que deverá constar depende diretamente da estrutura organizacional e da abordagem de consolidação adotada pela empresa. O Programa Brasileiro GHG Protocol também oferece algumas diretrizes nesse sentido.
Com a conclusão do inventário, define-se a forma de mitigação dos GEEs. Seja reduzindo a emissão ou criando projetos ambientais para compensar. Uma das formas mais conhecidas para gerar o crédito, é a proteção de áreas florestais.
Ao final, todo o processo de levantamento do potencial e certificação dos dados pode ser feito junto a entidades com autoridade no assunto. Os créditos de carbono são auditados por instituições internacionais e registrados na Verra, uma fundação que regula o registro global de créditos voluntários. O crédito de carbono é um ativo digital reconhecido internacionalmente e não tem prazo de validade.
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