O aproveitamento energético de resíduos sólidos urbanos (RSUs), com destaque para a geração de biogás e biometano, inicia um processo progressivo de valorização no Brasil. A atividade passa a ganhar espaço, impulsionada por recentes estímulos governamentais e privados.
O biogás oferece um retorno atrativo aos investidores, uma vez que o biometano extraído pode ser inserido na rede de gás natural, usado para gerar energia elétrica e térmica e servir de combustível para consumo em veículos automotores, como frota de caminhões, ônibus e máquinas agrícolas.
Além disso, caminha para se tornar um instrumento importante na política nacional de descarbonização da economia e na oferta de soluções sustentáveis na matriz energética. Extraído de aterros sanitários, o biogás derivado do lixo, devidamente tratado e filtrado, já auxilia o País no atendimento a compromissos ambientais assumidos junto ao Acordo de Paris, em cooperação com outras cem nações, de reduzir os níveis de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em 30%, até 2030.
Lembrando que, como já citado em outro post em nosso blog, o Brasil conta com um imenso potencial de geração de biogás para fins energéticos, na ordem de 84,6 bilhões de normais metros cúbicos por ano (Nm³/ano), o suficiente para suprir 40% da demanda interna da energia elétrica e 70% do consumo de diesel, conforme dados do Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás).
O processo de monetização dos RSUs, portanto, alcança relevância ainda maior, na medida em que, além da viabilização de produtos de elevado valor comercial, traz aos empreendedores oportunidades de retorno extra proporcionadas pela venda créditos de carbono, numa colaboração direta ao esforço global de preservação ambiental, em meio aos impactos das mudanças climáticas.
A relação entre o Biogás e os Aterros Sanitários
Mesmo com uma legislação federal robusta e recentemente atualizada no que se refere à destinação final de RSUs, ainda hoje há baixíssimo aproveitamento do potencial energético. A solução mais comum para detritos em centros urbanos continua sendo a deposição irregular em “lixões” a céu aberto ou a sua acumulação em aterros sanitários nem sempre geridos adequadamente.
Felipe Marques, diretor de desenvolvimento tecnológico do CIBiogás, comenta que o Programa Metano Zero é a chave para impulsionar novos projetos que impulsionam o biometano a partir de aterros sanitários, e que o CIBiogás está sempre disposto a apoiar e desenvolver novos projetos que visem projetos de energia eficientes em aterros sanitários.
“O número de aterros sanitários no Brasil ainda está abaixo do ideal. Mais de 30 milhões de toneladas de RSU são destinados inadequadamente no Brasil (ABRELPE). Os negócios vinculados aos aterros são importantes para ampliar os resultados dessa iniciativa, aumentando as receitas de aterros em operação e reduzindo o tempo de recuperação de investimento em novos aterros. O biogás e o biometano são ativos que devem ser aproveitados. Produzir e utilizar o biogás a partir de aterros sanitários deve ser encarado como impulsionador de resultados de sustentabilidade.”
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Nos aterros sanitários, os gases ricos em biometano acabam, em geral, desperdiçados. Sem tratamento algum, são simplesmente consumidos em flares, que liberam na atmosfera dioxinas entre outras substâncias tóxicas insalubres aos seres humanos, animais e outras formas de vida.
Os “lixões”, por sua vez, são extremamente prejudiciais ao meio ambiente. Entre outros impactos, como a emissão de odores desagradáveis e proliferação de insetos, o chorume, líquido resultante da decomposição da matéria orgânica, penetra no solo e coloca lençóis freáticos em risco.
Além disso, todo o gás gerado é desperdiçado na atmosfera, sem nenhum tratamento, carregando não só o metano, mas outros componentes como o gás carbônico (CO2) e o gás sulfídrico (H2S). Não raro, os “lixões” se transformam em um grave problema social e de saúde pública, ao atrair numerosos catadores, atuando em condições subumanas.
No caso dos aterros, a expansão geográfica das cidades os empurra para locais cada vez mais distantes dos centros de coleta, o que resulta em tráfego intenso de frotas de caminhões pesados, consumo alto de combustível e mais poluição do ar, devido à tóxica combustão de diesel.
Estatísticas da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) apontam que em 2019 a geração de RSUs no país somou 79 milhões de toneladas, o que resultou em rateio per capita de 379 kg por habitante. Com destaque para a região Sudeste que respondeu por 39,4 milhões de toneladas e aproximadamente 450 kg por habitante.
Em 2020, em plena pandemia de COVID-19 e com atividades econômicas semiparalisadas, a geração de RSU saltou para cerca de 82,5 milhões de toneladas, com rateio de 390 kg por habitante. O Sudeste, em particular, respondeu por 41,2 milhões de toneladas, ou 460 kg por habitante.
Do volume total de RSUs daquele ano, 76 milhões de toneladas foram coletadas, porém, ainda segundo a Abrelpe, 60,2% tiveram disposição final adequada contra 39,8% com disposição inadequada. Norte e Nordeste aparecem como regiões onde a disposição inadequada supera a casa de 60%, respectivamente. Já o desembolso consolidado de todos os municípios do Brasil com o custeio dos serviços públicos de limpeza e manejo de RSUs chegou, em 2020, a R$ 27,3 bilhões.
Abater parte dessa despesa e ainda proteger o meio ambiente são razões que justificam plenamente investimentos no aproveitamento energético de RSUs. E no leque disponível de soluções ambientalmente positivas, a produção de biogás é apontada como uma opção bastante promissora no curto, médio e longo prazo.
Projeções para a geração de biogás nos próximos anos
As projeções da indústria do biogás são otimistas e apontam uma evolução da produção até 2030, para 17,6 bilhões de Nm³/ano, ante os atuais 2,349 milhões/ano, conforme dados do Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás).
Caso esse patamar seja atingido, em um futuro próximo, haveria uma retirada de 100 milhões de toneladas de carbono equivalente em emissões de GEEs, volume que corresponde a 10% das metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Também com foco nessa perspectiva positiva, o governo federal apresentou em março de 2022 o Programa Nacional de Redução de Metano de Resíduos Orgânicos – Metano Zero, iniciativa abrangente que, além dos RSUs, também contempla aproveitamento de resíduos da produção agropecuária, como os resultantes da cana-de-açúcar, suinocultura, criação de aves, indústria de laticínios, entre outros.
A proposta, segundo informa o Ministério de Meio Ambiente (MMA), pasta responsável pela implementação do plano, é transformar produtores rurais e gestores de aterros sanitários em fornecedores de combustível e energias limpas e renováveis, bem como de subprodutos, a exemplo de biofertilizantes para a agricultura.
O momento para alavancar esse setor é considerado pelo governo como bastante propício. Isso porque o programa do MMA já nasce, de certa forma, alinhado ao advento do Novo Mercado do Gás Natural, cujos objetivos, além de uma maior abertura e dinamização da atividade, compreendem o uso do biogás para aumentar a oferta, criando uma sinergia positiva entre o combustível fóssil e o renovável, no processo de transição energética.
O incentivo oficial à produção e consumo do biometano lista uma série de medidas, com previsão, por exemplo:
- Da oferta de linhas de crédito e financiamentos específicos de agentes financeiros públicos e privados para o desenvolvimento de ações e atividades, incluindo, mas não se limitando, à implantação de biodigestores;
- Implantação de sistemas de purificação, produção e compressão de biometano;
- Criação de pontos e corredores verdes para abastecimento de veículos pesados movidos a biometano — tais como ônibus, caminhões e implementos agrícolas – contribuindo para a redução da emissão de GEEs;
- Implantação de tecnologias que permitam a utilização de combustíveis sustentáveis e de baixa intensidade de emissões de GEEs em motores de combustão interna de ciclo Otto ou diesel, atendidas as normas fixadas pelos órgãos competentes;
- Alavancagem da utilização ou desenvolvimento da tecnologia veicular, e desoneração tributária para infraestruturas relacionadas com projetos de biogás e biometano.
O governo calcula que, com a vantagem de uma exploração inteiramente descentralizada por todas as regiões do Brasil, há possibilidade de obtenção de um volume potencial estimado em 120 milhões de Nm³ de biometano originado de resíduos urbanos, montante maior que a produção diária do Pré-Sal ou quatro vezes maior que a capacidade de transporte do gasoduto Bolívia-Brasil.
Em paralelo ao programa do Ministério do Meio Ambiente, mas também a título de estímulo ao setor, uma portaria do Ministério de Minas e Energia (MME) incluiu investimentos em biometano no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura (Reidi). Ou seja, novos projetos ficarão isentos da cobrança de PIS/Cofins para aquisição de máquinas, materiais de construção e equipamentos.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por seu lado, é mais um ente estatal que vem se movimentando no sentido de desenvolver políticas de concessão de financiamento atreladas a compensações ambientais.
A instituição lançou recentemente um segundo edital de chamada pública para a compra de créditos de carbono no mercado voluntário, no valor total de até R$ 100 milhões. Há uma previsão de que os projetos escolhidos sejam aprovados até o fim de 2022. Serão contemplados projetos, entre outros, focados em energia, englobando geração renovável com biomassa, eficiência energética e troca de combustível.
Tudo isso prova o potencial existente a ser explorado através do biogás para a diversificação, transformação e transição na matriz energética.
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